

Ritmo supera EUA e Europa
Sistema que agrupa dados sobre o novo coronavírus mostra que o número de mortes provocadas pela covid-19 no Brasil tem dobrado a cada cinco dias. Nos EUA, a duplicação ocorre a cada seis dias. Na Itália e na Espanha, a cada oito. A nota técnica da Fiocruz também alerta que todos os municípios brasileiros com mais de 500 mil habitantes têm casos da doença.
O número de mortes provocadas pela covid-19 no Brasil tem dobrado a cada cinco dias. Nos Estados Unidos, essa duplicação ocorre a cada seis dias, e na Itália e na Espanha, a cada oito. O dado consta da última nota técnica do MonitoraCovid-19, um sistema da Fiocruz que agrupa dados sobre a pandemia do novo coronavírus, e revela a velocidade com que a epidemia se dissemina no Brasil.
“A nossa situação hoje é pior do que a de Itália, Espanha e Estados Unidos. Por isso, o número de mortes está dobrando em um espaço de tempo menor”, afirmou o epidemiologista Diego Xavier, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict), da Fiocruz, e um dos responsáveis pelo trabalho. Além de epidemiologistas, geógrafos e estatísticos do Icict/Fiocruz têm trabalhado com a ferramenta para produzir análises sobre o avanço da doença.
“Os dados de óbitos são mais confiáveis do que os dados de casos para medir o avanço da epidemia”, justificou Xavier. “Isso porque, no caso do óbito, mesmo o diagnóstico que não foi feito durante a evolução clínica do paciente pode ser investigado. Além disso, a situação clínica do paciente que vem a óbito é mais evidente, quando comparada aos casos que podem ser assintomáticos e leves.”
Interiorização. A nota técnica também alerta para a interiorização da epidemia, que está chegando de forma acelerada aos municípios de menor porte do País. Dentre os municípios com mais de 500 mil habitantes, todos já apresentam casos da doença. Naqueles com população entre 50 mil e 100 mil habitantes, 59,6% têm casos. Já 25,8% dos municípios com população entre 20 mil e 50 mil, 11,1% daqueles com população entre 10 mil e 20 mil habitantes e 4,1% dos municípios com população até 10 mil habitantes apresentam doentes de covid-19.
Para o epidemiologista, a decisão de suspender o isolamento social em municípios que não têm nenhum caso da doença registrado é extremamente temerária, sobretudo em um momento de aumento da velocidade da disseminação da doença. “Estão tomando uma decisão muito arriscada”, disse. O pesquisador lembrou que, mesmo que não haja registro oficial, a doença já pode estar circulando.
Além disso, ressalta ele, as cidades menores estão ligadas às maiores, e é inevitável que o vírus chegue até elas. “À medida que a doença avança para o interior e atinge cidades menores, a demanda por serviços mais especializados de saúde, como UTIs e respiradores, também cresce”, constata. “Só que esses municípios menores, em sua maioria, não detêm esses recursos de saúde, então terão de enviar seus pacientes a centros maiores, que já apresentam leitos, equipamentos e pessoal de saúde em situação difícil”, alertou Xavier.
Exemplo. Com 14 mil habitantes, dois casos confirmados e um óbito, Santa Branca, no interior de São Paulo, era até ontem o menor município paulista com mais incidência do coronavírus. Até terça-feira, 239 municípios do interior paulista (de um total de 645) já registravam casos da doença. Grande parte tinha apenas um registro de infecção, segundo dados divulgados pelo governo do Estado de São Paulo.
O prefeito de Santa Branca, Celso Simão Leite (PSDB), diz que o vírus não circula na pequena cidade do Vale do Paraíba. “Esses casos não são nossos, embora sejam moradores daqui.” Ele contou que as duas pessoas que contraíram o vírus são um casal que mora há muito tempo em Santa Branca, mas, segundo o prefeito, a infecção aconteceu em um hospital de São Paulo, onde a mulher de 71 anos fazia tratamento de câncer. Ela acabou morrendo. “O marido voltou para Santa Branca e está cumprindo uma quarentena rigorosa.”
Segundo o prefeito, o sepultamento ocorreu no cemitério local, com caixão fechado e a presença de poucos familiares, em cerimônia rápida. “Não durou meia hora e foram tomados todos os cuidados, mas numa cidade pequena, acostumada com o velório tradicional, isso chega a ser chocante.” Leite conta que há pressão para a reabertura do comércio e a volta dos turistas, mas mantém a quarentena com apoio da maioria da população.
“A cidade tem um hospital com quatro leitos equipados com respiradores, mas os casos urgentes vão para o hospital de referência, em Jacareí, a 15 quilômetros”, diz Leite. Ontem, todos os leitos estavam desocupados, o que ele atribui ao medo do coronavírus. “Nossa média de atendimento no hospital caiu de 190 para 20 pacientes por dia. Por medo, as pessoas só procuram o hospital em último caso.”
“Temos 55% de isolamento social e vamos continuar acompanhando as restrições do governo estadual.” Sob controle
Teich diz que País está entre os melhores no combate
Fala incomodou gestores da saúde e especialistas, por não considerar subnotificação e pela falta de testes e dados
O ministro da Saúde, Nelson Teich disse ontem que o País está entre os que estão em melhor situação na pandemia. “O Brasil hoje é um dos países que melhor performa em relação à covid. Se você analisar mortos por milhão de pessoas, o número do Brasil é de 8.17. A Alemanha tem 15. A Itália, 135; Espanha, 255; Reino Unido, 90 e EUA, 29”, disse Teich ontem, em sua primeira entrevista à imprensa no cargo.
A fala incomodou gestores da saúde
e técnicos do ministério ouvidos pela reportagem. Reservadamente, eles dizem que a comparação é incorreta, pois a falta de testes não permite afirmar quantos casos e mortes o País tem de fato – ou seja, não considera a subnotificação.
Os dados apresentados por Teich de mortos por milhão são, ainda, distintos de números usados como base pelo próprio ministério. A Alemanha tem 63 mortos por milhão pela covid. A Itália, 415, e o Brasil, 14.
Os dados de Estados brasileiros são discrepantes. Amazonas (45 por milhão), Pernambuco (24), Rio (23), São Paulo (23) e Ceará (22) têm coeficiente de mortalidade muito alta, de acordo com dados de anteontem do próprio ministério. Procurada pela reportagem, a pasta não informou qual foi a fonte usada por Teich.
Internações. Conforme boletim
da Saúde de anteontem, o Brasil já registrou 366% mais hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em 2020 do que em 2019. O dado sugere um largo número de pacientes da covid-19 sem diagnóstico.
Na semana epidemiológica 13, que acaba no fim de março, foram 11.797 internações em 2020, ante 1.123 no ano passado. Cerca de 9 mil casos desta semana ainda estavam em investigação até segunda. “Nossos números são um dos melhores. Qual o problema da covid? Assusta porque acomete muito rápido o sistema. E os sistemas de saúde não são feitos para ter ociosidade. Têm de trabalhar com eficiência máxima. Os hospitais trabalham no limite.
Quando tem algo que sobrecarrega o sistema, é quase impossível conseguir se adaptar na velocidade necessária”, disse Teich.
Para Julival Ribeiro, da Sociedade Brasileira de Infectologia, comparar o Brasil com outros países exige mais testes e mais dados. O ministério promete ter 46,2 milhões de exames na crise, mas só entregou 2,5 milhões até agora a Estados. Países que tiveram êxito no combate à doença, como a Coreia do Sul, fizeram a testagem em massa. “Nos Estados com isolamento social, postergamos um pouco (o aumento de casos). Não vêm ocorrendo ao mesmo tempo. Mas nunca vimos tanta pneumonia”, diz Ribeiro.
Reação
“Quando tem algo que sobrecarrega o
sistema, é quase impossível se adaptar na velocidade necessária.”
Nelson Teich – Ministro da Saúde (Agência Estado)
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